Graças ao Capital, Amém!

O neoliberalismo está nos esvaziando como sociedade. Não precisamos ser, precisamos ter. Como que por obrigação, todos devem ter ou querer muito ter. Pra esse novo mundo, não querer é estar morto. E isso tem relação com as classes mais subjugadas que afinal têm conseguido adquirir algumas coisas, contudo, é obvio, isso não vem de graça. Conforme Adorno e Horkheimer nos advertem “A elevação do padrão de vida das classes inferiores, materialmente considerável e socialmente lastimável, reflecte-se na difusão hipócrita do espírito. [...]”. A cada novo bem adquirido pelas classes mais baixas ou médias, apesar da importância econômica e material disso, pois assim se faz um mundo mais justo, resulta também em idiotização das pessoas. Uma vez que essas “diversões assépticas” livres de males, produzem cultura de massa como best-sellers e blockbusters fazedores de cultura popular e por isso “despertam e idiotizam as pessoas ao mesmo tempo. ”.


Essa busca por dinheiro e bens de consumo criou um hiperneoliberalismo, que se espalhou rápido e logo pôs a sociedade inteira a trabalhar a seu favor. O Deus dessa religião é a prosperidade financeira e sua oração é “o lucro nosso”. Não existe nada mais importante na vida das pessoas desse novo mundo do que ter ou ganhar dinheiro. Jovens escolhem sua futura profissão com base no seu futuro salário. Adultos trabalham o máximo possível e se é sobre humano “fazer o quê? precisa-se de dinheiro para viver”, justificando a demanda por mais dinheiro. Idosos que ainda não conseguiram “a quantia necessária”, pensam no que podem investir sua aposentadoria para ficarem ricos ainda antes de morrer, caso o investimento não dê certo, jogam na loteria para garantir a futura riqueza.


Queremos tanto dinheiro porque queremos o que os outros têm, e como cada vez as pessoas possuem mais, fica mais fácil ainda desejar o carro novo do vizinho. O que já foi um pecado capital é hoje um slogan capital. A inveja está por todos os lados e ficamos cegos de tanto desejar. E “os invejosos terão seus olhos costurados por arame como castigo no inferno”, ficarão cegos, segundo Dante Alighieri, pois o problema de se ver demais com os olhos e de menos com o coração, como nos ensina o Pequeno Príncipe de Exupéry é que nos enganamos facilmente e sucumbimos com os olhos costurados ainda em terra.
A política dessa inveja neoliberal é lucrar a qualquer custo todos sabem. Por isso, paradoxalmente, nos enganamos uns aos outros, sociedade afora, e culpamos o governo. Por quê? Pois, invejosos, cobiçamos o que é do outro. Seu automóvel, seu dinheiro, sua casa na praia. “Eu não gosto do governo, os políticos não prestam, política só serve pra político roubar”. Mas eu não digo isso porque anseio um país mais justo, mais igualitário, com menos dor. Digo isso porque desejo o que esses beneficiados têm ou pelo menos não quero que eles tenham os bens que eu não posso ter. Como sociedade ainda não aprendemos a lição mais simples de Exupéry, de que “o importante é invisível aos olhos”.
O neoliberalismo venceu a democracia no Brasil e não venceu só politicamente e economicamente, mas venceu no amor. As pessoas amam ter. Ter é melhor do que qualquer coisa. Não é estranho que saibamos mais sobre o manual do consumidor do que Hamlet ou a Bíblia, uma vez que consumir é mais importante do que ter consciência. Tememos a consciência, afinal “a alienação é demasiado doce (como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão”, explica Etienne de La Boétie.



E para fugir da consciência compramos e quando fazemos isso nos sentimos poderosos. E então temos poder e mandamos e, como quem manda é quem tem dinheiro, o estado é seu cúmplice e o monopólio do capital reina sobre nós. Para esse sistema quem não tem dinheiro nada vale. Quem tem, por outro lado, se acha patrão de tudo, patrão da vaga pública de estacionamento e o que é pior, patrão de qualquer pessoa que tenha menos dinheiro do que ele próprio. E mesmo com todo esse poder e dinheiro as pessoas continuam tão infelizes, não é mesmo neoliberalismo? O que o Budismo ensinou para o mundo sobre o caminho da felicidade é bobagem, é preciso comprar e comprar muito. Estamos presos em gaiolas de ouro adornadas com brilhantes coloridos como diz Leandro Karnal e mais, com wi-fi, facebook, tela plana e câmbio automático. Não é a qualquer hora que podemos sair, não adianta também comprar a alforria e só depende de nós se desvencilhar dessas correntes e precisamos conhecer o gosto da liberdade uma vez que já nascemos acorrentados, diz Boétie que, “pois são os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir. ”. E servimos a muitas coisas hoje em dia e por nos servirmos com tudo o que queremos, acabamos por servir em tudo e nunca fomos tão escravizados.

Alex Sandro Maggioni Spindler

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