Arte, educação e cultura: Textos de Ana Mae Barbosa

Por Vitor Macedo

A arte/educadora Ana Mae Barbosa foi pioneira no ensino da arte no Brasil. Graças a ela, hoje temos um estudo aprofundado e mais significativo do tema. A arte/educação estudada e desenvolvida por Ana Mae não surgiu do dia para a noite, foram anos de trabalho e pesquisa realizados pela doutora tanto dentro do Brasil como em instituições fora dele. Em um compilado de textos chamado “ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA”, Barbosa constrói uma série de reflexões e abordagens em relação ao papel do arte/educador dentro de sala de aula.

Para Ana Mae, a Educação poderia ser o mais efetivo caminho para desenvolver e estimular uma consciência cultural em nós, educadores e educandos, enquanto indivíduos. Primeiramente, deveríamos começar reconhecendo e apreciando nossa cultura local, isso é, todas as manifestações em nosso entorno. Entretanto, conforme Barbosa coloca, a educação formal em que estamos inseridos é dominada por códigos culturais europeus e, assim, acabamos sendo estimulados a nos afastarmos de nossa cultural local. Por exemplo, nossa cultura indígena é trabalhada dentro da escola apenas como uma forma de folclore, e, aqui, não podemos negar que, quase sempre, qualquer assunto relacionado aos índios é tratado somente perto ou na data do dia do índio. Em contraponto, há um paradoxo que Ana Mae comenta no primeiro tema dos textos: foram os próprios europeu que, no momento de construção de um ideal modernistas das artes, voltaram seu olhar para a valorização de outras culturas do leste e do oeste, sendo estas as gravuras japonesas e esculturas africanas. 

Foi somente no século vinte que movimentos de descolonização e liberação criaram a possibilidade política e, neste momento, a Europa não foi protagonista, pois foram os povos oprimidos que tomaram iniciativa para conquistarem seus direitos. Não podemos cair na ilusão de que foram os europeus que iniciaram o movimento de apreciação de culturas periféricas, pois, na realidade, foi através de muita luta desses povos, os quais, ainda hoje, continuam a lutar por seus direitos, que estamos começando, lentamente, a modificar e voltar nosso olhar dentro da educação às diversas culturas.

Ana Mae trata de mais temas dentro de apenas oito páginas, mas que trazem reflexões muito importantes, e, aqui, falo não somente como um grande admirador do trabalho de nossa maior arte/educadora, mas como um futuro docente. Esse compilado de textos tem suma importância para educadores ou futuros educadores de qualquer disciplina, pois a cultura não é algo que encontramos somente dentro da “matéria de artes”, e, se caso for, devemos seriamente repensar esses conceitos! 

Cada vez mais os países recém independentes procuram encontrar sua identidade cultural, e Barbosa traz alguns pontos aos quais devemos estar atentos em relação a isso. A história desses países, não esquecendo que nosso país faz parte deles, foi escrita por seus colonizadores, e essa busca por encontrar sua identidade também é um problema para os países de primeiro mundo. Essa identidade não é algo estagnado, mas sim dinâmico e que se enriquece quando dialoga com outras culturas. 

Ana Mae Barbosa usa o termo interculturalidade para definir essa interação entre diversas culturas, ainda que existam também diversas outras nomenclaturas, como “multiculturalidade” e “pluriculturalidade”, porém ambos passam a ideia de diferentes culturas e, assim, reverberando em uma coexistência. Já a interculturalidade, segundo Ana Mae, apresenta a ideia de culturas que se entrelaçam e dialogam de maneira dinâmica. A autora coloca que isto deveria ser um objetivo da educação voltada ao desenvolvimento cultural, ou seja: primeiramente, é necessário que a educação proponha um grande conhecimento sobre a cultura local e, depois, apresente a cultura de vários grupos que caracterizam a nossa nação e a cultura de outras nações.

A ideia de desenvolvimento de cultura voltada à educação, seguindo as linhas tecidas por Ana Mae, parte, primeiramente, de um reconhecimento da nossa cultura local, ou seja, a cultura do educador, do educando, da escola, da comunidade... Trata-se de reconhecer, significar e ser crítico em relação a tudo isso que a engloba, partindo sempre através de reflexões que respeitam a história local, mas ainda continuam críticos. Abraçar outras culturas agrega à cultura local, tendo em vista, principalmente, a sala de aula, tanto na produção artística em sala quanto em qualquer temática desenvolvida dentro do ambiente de ensino, pois a construção de uma nação parte de um diálogo entre culturas e não podemos confundir isso com um monólogo. Sendo assim, que sejamos - e isso vale não apenas professores de arte - cada vez mais interculturais no ambiente de ensino para que, logo, tenhamos uma nação e um mundo intercultural.

Esses compilados de textos de Ana Mae Barbosa são de domínio público e, apesar de curtos, são muito ricos e significativos, com os pensamentos que a nossa maior arte/educadora brasileira constrói, valendo muito a leitura, principalmente, para professores e cidadãos do mundo.

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