Análise literária: o modelo quinário no conto "A maior ponte do mundo"
Hoje o blog traz uma análise literária
do modelo quinário e suas rupturas no conto A Maior Ponte do Mundo, de Domingos Pellegrin, desenvolvida
na disciplina Narrativas do curso de Letras. Para inciar, um pequeno resumo do conto, e em seguida alguns comentários técnicos sobre o rompimento do conto em relação ao modelo quinário.
A história inicia
quando o protagonista e 50 Volts, seu companheiro de alojamento, foram
convocados a ir ao Rio de Janeiro. Pararam dentro de uma caminhonete em que beberam
cerveja à vontade e depois numa churrascaria onde também comeram à vontade.
Adiante na viagem fizeram outra parada numa casa de mulheres, mas partiram com
pressa.
Próximos ao Cristo
Redentor chegaram numa ponte que notavelmente era a maior ponte do mundo. E,
nesta ponte, havia muito serviço a ser feito, o protagonista foi encarregado da
parte elétrica. Todos os peões presentes na obra eram pressionados a trabalhar
rapidamente.
Como trabalhavam sob
pressão, sofriam acidentes devido ao estresse e cansaço físico. Bebiam muito café
para se manterem acordados.
Alguns peões até deixaram
de tomar banho para poder dormir mais. Porém a personagem principal percebeu
que trabalhava feito bicho e decidiu: não iria trabalhar mais. Seu companheiro 50
Volts decidiu parar também. Contudo, quando insistiram em sair lhes disseram
que dali só sairiam mortos. Foram obrigados a jogar um balde de água na cabeça
e prosseguir trabalhando.
Na véspera da
inauguração precisaram tomar pílulas para aguentar o término do serviço. E,
quando enfim o fim chegou, novamente estavam dentro de uma caminhonete. Foram
para praia. Almoçaram feijoada num restaurante e fizeram discursos. Mas
sentiram o cansaço chegar e dormiram exauridos, no outro dia estavam novamente caminhonete.
O indivíduo quis voltar a ponte para buscar seu alicate quando percebeu que
havia perdido este objeto – tão íntimo e
pessoal, após tantos quilômetros de fios cortados em companhia. Mas 50 Volts
não deixou que voltasse, pois era perigoso, tinha muitos carros naquela ponte.
Por fim, conversaram
sobre a obra e 50 Volts disse que ainda quer voltar ao RJ para ver a ponte, mas
o protagonista não sente esta vontade, pois já tinha visto a ponte numa foto de
revista.
Este conto rompe com
o modelo da macro-estrutura e a seguir explicações sobre cada etapa serão
descritas com a intenção de compreender melhor as estratégias de estruturação
que o autor habilidosamente utilizou para compor este texto.
Nos três primeiros
parágrafos é possível perceber uma situação
inicial de equilíbrio, pois o discurso inicia narrando sobre o alicate e
como a vida da personagem era na época que ele perdeu seu alicate.
Após, no quarto
parágrafo, um de seus chefes entra em seu alojamento e avisa que partirão para
o RJ. O que caracteriza uma perturbação,
pois muda a direção da história.
O que vem a seguir
desta perturbação, são as ações que se definem como transformação, ou seja, são as consequências desta perturbação inicial.
O protagonista chegar a ponte, trabalhar com a parte elétrica, viver a base de
café e muito cansado é o que aconteceu devido à convocação para ir ao Rio de
Janeiro.
Porém,
a pressão era tanta, que a história perturba-se
novamente e ele decide que não quer mais trabalhar feito “bicho” na obra. E
encontramos aqui uma “falsa resolução”,
pois quando o superior diz que dinheiro não é problema, mas que dali só sairiam
mortos, a personagem é obrigada a voltar para obra, então temos uma resolução
que não resolve o problema do nosso protagonista.
Tudo
isto para que a seguir a verdadeira resolução
do problema se dê através da conclusão da obra. Para que enfim o peão possa
descansar, ele foi obrigado a esperar o término da demanda do serviço. Eles
descansam, alimentam-se bem e são liberados do serviço.
Então, no último
parágrafo é possível perceber que todas estas ações que compõem a resolução
encaminharam o conto para uma situação
final de equilíbrio, na qual o protagonista, já em outra emprenhada, fala
sobre a obra como algo que ficou para trás. Sendo assim, após esta experiência
vivida e as transformações sofridas, encontra-se capaz de iniciar uma nova
história.
Em relação ao modelo
quinário, o conto rompe esta estrutura. A ordem situação inicial, perturbação,
transformação, resolução e situação final não se aplica a esta história.
Percebe-se que ela é composta sim por uma situação inicial seguida de uma
perturbação e transformações, mas quebra quando apresenta outra perturbação e
uma falsa resolução seguidas de resolução e situação final. É como se a
narrativa fosse dividida em duas partes. Quando a falsa resolução acontece,
esta quebra transforma-se num novo início no qual o protagonista volta a
trabalhar e deve esperar o fim da obra para poder enfim resolver seu problema e
colocar-se em uma situação final de reflexão.
Este jogo de ações,
ou ruptura de estrutura compõe a essência da narrativa, sua narratividade, como
construção de efeitos que instalam uma maneira inteligente e convidativa que
prende a atenção de quem lê. De certa forma, não seguir puramente o modelo
quinário exige prática e conhecimento do autor, para que as ações estejam
interligadas e despertem o interesse em seu receptor. Afinal, uma narrativa não
deve despojar todas as informações, pelo contrário deve confiar na capacidade
do leitor de compreendê-la.
Contudo, mesmo que ao
longo do texto há uma ruptura do conto em relação ao modelo quinário há uma
situação inicial, resolução e situação final de equilíbrio. O texto inicia de
forma branda ao narrar sobre o alicate do “barrageiro” e seu estilo de vida, e
em seu fim, há uma resolução de todos os problemas instaurados pelas
perturbações, o cansaço e o stress, que levam a um final com certa paz, quando
eles falam sobre a ponte como se fosse algo distante.
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