Um relato sobre o Centro POP de Novo Hamburgo e as pessoas em situação de rua

Foto: José Renato Oliveira. Fonte: Prefeitura de Novo Hamburgo.

Por Ângela Litwinczyk Machado


  Sou estudante de psicologia e, nesse semestre, cursei uma disciplina de Estágio Básico em Observação e Pesquisa. O ambiente escolhido para ser objeto do estudo foi o Centro POP (Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua), que busca fortalecer a autonomia e as potencialidades da população de rua, visando a construção de novas trajetórias de vida para essas pessoas. Poderia ter escolhido qualquer lugar, dentre os mais variados contextos, mas sempre tive empatia por questões sociais e, quando esbarrava com alguém nesta situação, me deparava com uma série de questionamentos: "o que leva uma pessoa a viver de tal forma? Falta de oportunidade social? Drogadição? Doença mental?".

   A presença de pessoas que fazem das ruas sua moradia é uma realidade incontestável e que, no Brasil, foi intensificada pelo êxodo rural e pelo processo migratório impulsionado pelo crescimento industrial (Brasil, 2009; CRP-MG, 2015). O panorama atual indica, entretanto, que a maioria das pessoas em situação de rua são provenientes de áreas urbanas, não sendo mais o deslocamento do campo para a cidade uma causa frequente.

   Considerando a importância de conhecer, visibilizar e entender melhor a realidade das pessoas em situação de rua, acabei fazendo uma revisão sistemática e investigando o que tem sido produzido sobre essa temática no Brasil. Nesse processo, comparei esses materiais com as observações empíricas que realizei no município de Novo Hamburgo ao longo de 30 horas.

   O perfil da população no Centro POP de Novo Hamburgo é predominante masculino, a maioria com idade entre 20 e 45 anos e auto-declarada parda. Muitos sabem ler e escrever e exercem atividades remuneradas, como catadores de lixo ou flanelinhas, e possuem algum familiar vivo ou próximo, mas não mantém contato com seus parentes, não se vinculam a nenhum movimento social e não possuem nenhum documento de identificação. Os principais motivos que levam as pessoas a viverem nas ruas é o uso abusivo de álcool e outras drogas, como o crack, ou questões como o desemprego e os conflitos familiares. Também aparecem como justificativas à sensação de liberdade e à dificuldade de adaptar-se a regras. A grande maioria é portadora de doenças como tuberculose, hepatite C, AIDS, sífilis e herpes, provavelmente por compartilharem drogas e relacionarem-se sexualmente sem uso de preservativos.

    Comparando os dados observados com a revisão sistemática de Sicari e Zanella (2018), é possível comprovar que o perfil das pessoas em situação de rua de Novo Hamburgo corresponde aos dados levantados no restante do Brasil. As observações realizadas trouxeram muitos elementos que me ajudaram a entender as razões pelas quais as pessoas vivem nessas condições, bem como os diferentes modos de se relacionarem nas e com as ruas. Agora, de posse dessas informações contextualizadas, quero dar visibilidade à população em questão por meio da construção de um artigo que sistematize tudo o que vi e registrei. Espero que, assim, eu possa contribuir, de alguma forma, para uma política de direitos a essas pessoas.

Referências:

Sicari, A. A., Zanella, A. V. (2018). Pessoas em situação de rua no Brasil: Revisão sistemática. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(4), 662-679. https://doi.org/10.1590/1982-3703003292017

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"A chegada" e o amor fati de Nietzsche

Uzumaki: O terror em espiral de Junji Ito

Resenha do livro "Vidas desperdiçadas" de Zygmunt Bauman