A dona Laura de "A Imitação da Rosa"

Texto construído por Gloria Sofia Adam a partir da leitura de "A Imitação da Rosa", conto presente na coletânea “Laços de Família”, 1960, de Clarice Lispector.

    Laura, dona Laura, a espera de seu marido, pronta e arrumada, com seus cabelos e pele castanha, modo neutro, sem ser percebida por exagerar e se destacar, mas bonita conforme o exigido. Espera e imagina como vão se sentir na ida à janta na casa de Carlota e João, onde ninguém a notará e respeitará o seu silêncio e falta de brilho no olhar. O seu marido poderá ter um momento seu para falar com outro homem, um momento de paz de sua mulher.
    Laura vive conforme sua normalidade, ela não precisa fingir estar bem pois o médico a disse que ela está bem. A receita dizia para se lembrar de não se esforçar para conseguir, respeitar a ordem.
    A casa de Laura é o reflexo do que ela supostamente gosta, de ser impessoal, do que o externo lhe impõem como verdade com a casa vazia e fria, como se, de pernas cruzadas, ela fosse a visita de sua própria casa. Ela acha satisfatório, acha perfeito ser impessoal, mas Carlota tem sua casa decorada de forma bem parecida como ela mesma, e Carlota parece ser de igual para igual com seu marido. Que extravagância.
    Laura cuida para não atormentar os outros com os detalhes que repara, a culpa sempre sendo sua, por, supostamente, não se dar o respeito. Enquanto planeja seu dia e fica muito ocupada com os afazeres, já nem lembra mais como é ter o ponto vazio e acordado, horrivelmente maravilhoso, que já sentiu, nem mais aquela independência horrível. É um ser tranquilo, e cansado por não ter mais tempo. Suas manhãs na feira, escolhendo a carne e, à tarde, passando as camisas de Armindo, seu marido, lhe deixavam fatigada.
    Lembra de tomar o leite. Senta em sua sala, bebe gole por gole para conter a ansiedade que ainda não tinha aparecido. Foi esta a receita do médico. Em sua casa, esperando o seu marido, sentindo reconforto em ser como todo mundo. Ainda bem que não precisava ser interessante, não tinha importância.
    Ao beber o leite, vem o sono profundo de se sentir cansada, mas olha ao lado, vê um ramalhete de rosas e, por um momento, as rosas se tornaram tão lindas que não podia desviar o olhar. Veio uma reflexão, mas estava passando do limite, estava sentindo um leve prazer, isso não é aceitável.
    Dona Laura, estas flores são suas, e são lindas. Pensou em mandar para Carlota antes da janta de presente, as vezes ela também tem ideias, pensou em ganhar a aprovação, mas não queria chamar a atenção, mas as rosas também eram suas e nunca teve nada para si.
    Na crença passada para Laura, uma coisa bonita serve para se dar ou se receber, porque não se deve ter somente por ter e muito menos para se ser. Ela sem poder ser dela mesma, sem poder fazer por si, sem ter voz, sendo somente uma objetificação. Ela acredita ser somente um corpo bonito ou uma rosa bonita, tem duvidas por não se achar merecedora. A clemencia do perdão veio por fugir da “normalidade” de ter o questionamento.

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