"A hora da estrela", de Clarice Lispector

Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Ano: 2008
Páginas: 88
Texto por Natália Berriel da Silva

Sinopse

A história da nordestina Macabéa é contada passo a passo por seu autor, o escritor Rodrigo S.M. (um alter-ego de Clarice Lispector), de modo que os leitores acompanhem o seu processo de criação. À medida que mostra esta alagoana, órfã de pai e mãe, criada por uma tia, desprovida de qualquer encanto e incapaz de comunicar-se com os outros, ele conhece um pouco mais sua própria identidade. A descrição do dia-a-dia de Macabéa na cidade do Rio de Janeiro como datilógrafa, o namoro com Olímpico de Jesus, seu relacionamento com o patrão e com a colega Glória e o encontro final com a cartomante estão sempre acompanhados por convites constantes ao leitor para ver, com o autor, de que matéria é feita a vida de um ser humano.

Resenha

Clarice iniciou o romance "A Hora da Estrela" enquanto enfrentava um câncer de ovário e o concluiu logo antes de seu falecimento. É uma de suas poucas obras na qual o narrador é masculino.

O romance conta a história de Macabéa, menina desprovida de atributos físicos belos, deslumbrada, inocente e que sonha em ser uma estrela ao ouvir a Rádio Relógio em seus momentos longe do seu trabalho de datilografa. Macabéa mudou-se para o Rio, à própria sorte, após a perda de uma tia, e como boa personagem inocente, logo apaixona-se por Olimpio de Jesus, um metalúrgico nordestino como ela, mas este a trai com uma colega de Macabéa. Desiludida e orientada por essa colega, Macabéa resolve ir a uma cartomante. A consulta a enche de esperança e sonhos, pois é previsto para ela um futuro brilhante e um novo amor. Ao sair da cartomante, Macabéa é atropelada e - ironia intencional de Clarice - vira manchete nos jornais como sempre sonhou.

A escrita de Clarisse pode não ser fluida para uma parte dos leitores, especialmente se esses esperam uma história narrada pelos fatos, ao passo que nosso narrador-escritor narra pelos sentimentos e sensações. Nas palavras da própria Clarisse: "Tem gente que cose pra fora, eu coso pra dentro".

Macabéa, moça simplória que sequer teve uma experiencia de vida que a memória pudesse resgatar, um acontecido, nada. No máximo um canto de galo que a lembra vagamente da terra natal, mas mesmo essa memória é espúria e vaga. A existência da personagem se dá de maneira quase inumana, pois, para tudo que ela deseja e almeja, lhe faltam palavras para expressar.

Nosso narrador descreve a história da nordestina e, ao mesmo tempo, reflete seus próprios pensamentos e suas inquietudes. Escrever é "fazer-se o centro do processo de palavra, é efetuar a escritura afetando-se a si próprio, é fazer coincidir a ação e a afeição (...)". Aqui, relatar um ato será uma prática do autoconhecimento e o alargamento do conhecimento do mundo através do exercício da linguagem, e não somente uma datilografia do que ocorreu (tudo bom Jack Kerouak?). Seria, então, a linguagem que funda a realidade ou a que nos distancia dela?

A história, relativamente simples (e trágica), vai fundo no universo humano, na tristeza, na solidão e nas dificuldades que enfrentamos e em suas nuances, seguindo assim a famosa frase de Clarice: "Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho".

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