O "Eu" de Clarice Lispector
Resenha escrita por Bruna Furquim
Clarice Lispector nasceu na Ucrania em 1920. Batizada de Haya Pinkhasouna Lispector, morreu em 1977 na cidade do Rio de Janeiro por conta de um câncer de ovário. Descendente de judeus, seus pais fugiram da guerra civil russa em 1921, vindo para o Brasil e passando por Maceió, Recife e Rio de Janeiro.
O seu pai utilizou o nome “Clarice” para ocultar a origem da filha. Esta, posteriormente, se naturalizou brasileira, considerando-se pernambucana. Ao longo da vida, a escritora estudou diversas línguas e piano. Dentre os diversos prêmios que recebeu em vida, estão o Prêmio Graça Aranha e Prêmio Fundação Cultural do Distrito Federal. Em 1977, no programa panorama da TV Cultura, o apresentador questiona a origem de seu sobrenome “Lispector”. Enquanto fumava seu cigarro de pernas cruzadas e com a testa franzida, a autora contou que também havia questionado seu pai. Acreditava que o sobrenome deveria ter “rolado” e, com o tempo, perdido algumas sílabas até se transformar nessa “coisa”. A “coisa” marcou a cultura do Brasil e não é estranho a nós, bem pelo contrário, não há quem desconheça o sobrenome “Lispector”, por mais que, para as pessoas da minha geração, a imagem da autora esteja um pouco distorcida por conta de frases soltas em redes sociais.
Ainda respondendo à mesma pergunta, Clarice contou que, quando lançara seu primeiro livro, críticos da época a chamaram de “escritora de nome desagradável", afirmando que seu nome era, "certamente, um pseudônimo”. Batendo a cinza de seu cigarro, ela deu um pequeno sorriso e soltou a frase: “e não era, era meu nome mesmo”.
Trago o poema que acredito representar a personalidade de Clarice. O poema “Eu”, introspectivo, conta as urgências da escritora, urgências essas que exploram as individualidades e, possivelmente, os extremos da personalidade de Clarice. A escritora se coloca como alguém que não é “morno”. Lispector conta na entrevista que, desde muito pequena, fabulava e criava histórias. Sobre os objetivos de sua escrita, ainda com seu olhar cortante e com a testa franzida, responde diretamente que se trata de “apenas escrever”.
A escritora, por natureza, possui alma de artista. Em sua escrita, abre espaço para outras pessoas se libertarem e serem extremas, assim como ela mesma declara ser quando coloca que se entope de ausência, esvazia-se de excessos e não cabe em estreitos. Mais pessoas deveriam, também, ser artistas, mas serem mais “extremas”, não no sentido ideológico, mas no sentir/ser. “Suponho que me entender/ não é uma questão de inteligência/ e sim de sentir”. Apesar de considerada uma gigante da literatura brasileira, “apenas” a inteligência não basta para compreende-la. Caio Fernando Abreu comenta sobre a autora:
Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa.
Acredito que este é um grande fator que a distancie do grande público, principalmente em tempos de touchs e imediatismos que nos distanciam cada vez mais do sentir.
Questionada sobre seus anos como escritora adolescente, Clarice não precisou pensar duas vezes para descrever sua produção: “Caótica, intensa. Inteiramente fora da realidade, da vida”. Mais uma vez a escritora se mostra intensa e gigante, não apenas em sua escrita, mas também no que acredita. A escritora conta que, antes de iniciar sua carreira, já publicava em jornais e revistas e que, apesar de ser tímida, colocava-se com uma timidez ousada.
Clarice é um grande exemplo a ser seguido. Não me limito apenas à artista, mas à pessoa decidida e intensa. Que tenhamos mais “Clarices”, incentivemos mais pessoas a serem “Clarice” ou, no mínimo, usemos ela como inspiração para nossas vidas.
Mais de quarenta anos após sua morte, as suas produções ainda significam e, com certeza, vão continuar a significar para muitas gerações. Segue o poema “Eu”, usado como inspiração para escrever essa resenha.
Sou composta por urgências:minhas alegrias são intensas;minhas tristezas, absolutas.Entupo-me de ausências,Esvazio-me de excessos.Eu não caibo no estreito,eu só vivo nos extremos.Pouco não me serve,médio não me satisfaz,metades nunca foram meu forte!Todos os grandes e pequenos momentos,feitos com amor e com carinho,são pra mim recordações eternas.Palavras até me conquistam temporariamente…Mas atitudes me perdem ou me ganham para sempre.Suponho que me entendernão é uma questão de inteligênciae sim de sentir,de entrar em contato…Ou toca, ou não toca
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