Algumas palavras sobre "O datilógrafo do gueto", de Ferréz
Por Iago Ramon Möller
Conheci Ferréz por acaso, ao passear pelas prateleiras da biblioteca de minha universidade e encontrar "Capão pecado". A leitura da obra me fez fã do autor. Passei a acompanhar seus posicionamentos nas redes sociais e não hesitei em apoiá-lo quando surgiu a campanha de financiamento do livro "O datilógrafo do gueto". Colaborei com Ferréz entre agosto de 2018 e setembro de 2019, quando precisei cancelar meus apoios por razões financeiras.
Em março deste ano, tive a boa surpresa de receber a edição final de sua nova obra. As 195 páginas de letras e poemas vieram acompanhadas de um autógrafo do autor e de um marcador de páginas com a arte do livro.
Ao pegar um trabalho como "O datilógrafo do gueto" nas mãos e me propor a escrever uma resenha, porém, me vejo na obrigação de pensá-lo a partir da seguinte pergunta: por que Ferréz escreve? Há diversas maneiras de um artista encarar esse questionamento. Ainda que muitos pesquisadores que investigam o processo criativo se debrucem sobre isso, muitos criativos que eu conheço responderiam que fazem arte porque sentem vontade, porque gostam, porque lhes faz bem. Ao ler "O datilógrafo do gueto", porém, fico com a impressão de que o autor tem uma grande missão em sua escrita. Isso porque a obra não parece interessada em contar uma história, explorar sensações, brincar com a linguagem ou buscar um tratamento original para os velhos temas da literatura. Em vez disso, Ferréz se mantém firme em suas denúncias e apelos. Isso fica claro, inclusive, nas linhas que preenchem a contracapa da edição:
"Este livro é sobre as rimas, as poesias, os trabalhos em parceria, os que foram gravados e os inéditos. É também um livro que retoma o mesmo menino que lançou seu livro de poesia em 1997, e que jamais desistiu de tentar mudar a periferia, pela palavra"
Com isso em mente, me faço uma segunda pergunta: por que as pessoas leem? Afinal, para ser sincero, "O datilógrafo do gueto" não se revelou uma literatura prazerosa para mim. As letras jogadas no papel talvez soem melhores sobre uma batida; o texto dos poemas não apresenta aquilo que eu prezo em um trabalho literário de qualidade. Mas que leitor sou eu para desqualificar esse livro por isso? Um jovem branco e de classe média que passou apenas dois dos seus vinte e seis anos em uma periferia (que, nem de longe, lembra o contexto violento de Capão Redondo).
Talvez muitos leitores encontrem em "O datilógrafo do gueto" aquilo de que precisam: uma linguagem acessível, uma poesia de fácil compreensão e uma visão de mundo que lhes permitam enxergar as questões sociais de outra maneira e buscar ações para, efetivamente, mudar seus entornos. "Palavras mudam pessoas e pessoas mudam o mundo". Eu, que sento em uma cadeira confortável para escrever uma resenha e busco apenas o prazer de ler e a possibilidade de conhecer outras realidades além da minha, me pego preferindo uma releitura de "Capão pecado".
Isso, claro, só me faz mais fã de Ferréz. Nestes tempos difíceis, sua voz nunca se fez tão necessária.
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